segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Carta aberta à Marta Porto

Querida Marta Porto
Estamos nós dois, novamente, em profunda divergência.
Não é de hoje que temos estabelecidos bons debates. Infelizmente já não temos mais tantas oportunidades de debatermos ao vivo, pessoalmente. Seus compromissos de Secretária da SCC, muito provavelmente, tornarão esses debates presenciais ainda mais raros.
Por isso tenho que me valer desse frio instrumento, que nos esconde as expressões faciais, as rugas forçadas que nos fazem depreender quando um “menos”, no discurso, significa “mais”. Ou, quando “não” significa “sim”, quando “caro” significa “barato”, quando “certo” significa “errado”.
Ou então aquele sorrisinho de canto de boca, que fala mais do que muitas palavras.
Além disso, e-mail não reproduz, também, a entonação vocal ou o volume da voz. Detalhes que mudam todo o sentido de uma conversa conversada em relação a uma “conversa” escrita.
De certo, a sua erudição e leituras poderiam desmentir essas premissas com a citação de memoráveis correspondências entre honoráveis missivistas de destaque nos campos das ciências e das artes.
Acontece que, não só, não tenho esta qualidade diferenciada como sou um homem de poucas letras.
Mas encaro com muita naturalidade essa minha limitação, de uma pessoa medíocre (pessoa mediana) e assumo o risco de uma incompreensão aqui ou ali nesta mensagem, certo de que o carinho e respeito, que sinto recíproco em nossa relação, darão conta de eventuais ruídos nesta mensagem.
Para começar, devo lembrar que lá atrás, tão logo foi divulgado o anúncio do seu nome para a SCC escrevi um e-mail para a Lista dos Pontos de Cultura, sob o título: “Nem melhor, nem pior: o MINC será diferente”, onde mencionava suas indiscutíveis qualidades, que me seduzem, e comentava que você era “a pessoa certa, no lugar errado”.
Para justificar a minha opinião citava a sua famosa frase: “o social está matando a Cultura brasileira”.
Foi o bastante para receber uma enxurrada de e-mails de companheiros(ras) ponteiros(ras) me censurando por descontextualizar a frase de um pensamento maior. Foram de 15 a 20 e-mails em sua defesa. Uns indignados. Outros até um tanto agressivos.
Confesso que fiquei surpreso com a reação, porque a citação não era nenhuma acusação, mas, apenas, uma constatação de que, tal como tinha sido concebido o Programa Cultura Viva, pessoalmente e isento de qualquer rancor, nutria uma incontornável convicção de que você não daria seqüência à indispensável expansão do Programa.
Você há de se lembrar quantas vezes já discutimos pessoalmente por conta desta sua frase, do social X Cultura, a meu juízo, extremamente infeliz.
Aliás, no mesmo texto, enfatizei todas as suas qualidades de intelectual e de pensadora brilhante, além de, ousado, comentar sobre a sua atraente figura feminina.
Enfim, “coisas” da Internet. Do texto frio na tela luminosa. Da necessidade de síntese para garantir que o leitor não delete a mensagem antes do seu ponto final. Que, por fim, motivaram uma interpretação do texto que não correspondia exatamente ao meu pensamento e ao que pretendia quando o escrevi.
Apesar das limitações desta mídia, sem outra opção, tenho insistido em dialogar com você, na defesa do Cultura Viva, através de outras mensagens, cada vez menos contestadas por aqueles que discordaram da primeira.
Sei que, certamente, minha amiga Cleise vai deixar seus múltiplos afazeres para mandar um tijolaço contestando minhas opiniões; a Morgana vai me repreender, também; o intrépido Buda – Piolim – soltando fogo pelas ventas, vai me cobrar comentários ferozes contra o PSDB; a Marly vai invocar Deus e sugerir orações para aplacar minha atormentada alma; e mesmo o Robson, que se mostrou estupefato com as suas declarações na Série 7º Enecult, pode se lembrar de uma lambança maior em Campinas ou no Governo Alkimin. Fora disso, acredito em mais um ou dois e-mails discordante, confirmando a queda gradual na curva da série histórica, dos 15 ou 20 e-mails, em sua defesa incondicional pela Ponteirada, na minha primeira mensagem, para a atual média de 5 ou 6, em apoio às suas últimas atitudes em relação ao Programa Cultura Viva.
Mas, indo direto ao ponto que me motiva postar este e-mail e comprovando, definitivamente, definitiva e infelizmente, que a minha opinião sobre você ser “a pessoa certa no lugar errado” era e é correta, explicitando a distância entre a capacidade de formular políticas públicas e a capacidade de executar políticas públicas, quero abordar – estarrecido – seu erro primário para quem se pretende Executiva num regime de 3 Poderes, diante das suas declarações durante a Série 7º Enecult:
Seu dossiê com denúncias sobre a herança maldita deixada pelo MINC da gestão do Presidente Lula tem que ser entregue ao Ministério Público e não ao Congresso (para “ciência e reflexão”).
Num Regime de 3 Poderes, cabe ao Legislativo cobrar os documentos e explicações sobre suspeitas de irregularidades no Executivo. E não ao contrário, como você sugere.
Veja os esforços que o Governo acaba de fazer para evitar a CPI do Ministério dos Transporte.
Ou será, que o Ministério com menos recursos, na Esplanada dos Ministérios, maior contingenciamento no orçamento e, de menor importância para todos os Governantes, até na questão das CPIs é tão desimportante assim, a ponto de sua própria Secretária ter o interesse de provocar uma CPI do Ministério da Cultura.
Não. Não me parece que isso seja razoável.
E mais: não levar ao Ministério Público esta denúncia de favorecimento, perpetrada pela gestão do MINC do Governo Lula, favorecendo a “... 25 entidades que praticamente concentram todos os recursos de prêmios e editais do Programa...” pode até caracterizar prevaricação, tipificado nas leis brasileiras.
O que mais me chama a atenção neste episódio é que em discurso de campanha, a Presidenta Dilma, sendo ex-Ministra da Casa Civil, com os poderes que este cargo confere ao seu ocupante, tenha dito que o Programa Cultura Viva era um dos maiores legados do Governo Lula, sem demonstrar qualquer desconfiança sobre a lisura da sua respectiva gestão.
Discurso, este, recorrentemente repetido por autoridades de todos os escalões deste Governo, inclusive da Ministra Ana de Holanda e seus Secretários.
Aí fica a pergunta que não quer calar: poderíamos, pois, atribuir ao tamanho do sucesso deste Programa o fato do mesmo concentrar praticamente todos os recursos de prêmios e editais do Programa em 25 entidades?
Outra questão intrigante, Marta. Na mesma ocasião, você comenta sobre o “... mar de Pontos de Cultura espalhados pelo Brasil..” que, ainda nas suas palavras, “se, em 2004, o Programa contava com um grupo de 72 Pontos de Cultura; hoje, soma mais de 3 mil Pontos, entre Pontos de Cultura, Pontos de Leitura e Pontões”.
Fica, aqui, mais uma pergunta, dividida em duas partes: 1501 (que é, no mínimo, a maior parte de 3000) “Pontos e demais Prêmios” dividido por 25 entidades daria, em número redondo, 60 prêmios para cada entidade, Não lhe parece uma total sandice tal cálculo, que atribui que “25 entidades praticamente concentrem todos os recursos de prêmios e editais do Programa? Ou seja, não te parece sem sentido imaginar um único Ponto de Cultura escrevendo 60 propostas para editais, só para o MINC, cuidando de 60 prestações de contas? com 60 contas bancárias abertas no Banco do Brasil, sem levantar nenhuma suspeita? 25 entidades com 60 projetos, cada, patrocinados pelo MINC? A segunda parte da pergunta é: quanto tempo e recursos financeiros foram investidos para que a SCC construísse este “mapa” esdrúxulo?
E olha que fui absurdamente generoso ao atribuir a sua expressão “maioria”, a maioria absoluta, que é igual a metade mais 1. Se tivesse usado do bom senso na interpretação da expressão “maioria”, embutida no seu discurso, esses números seriam bem mais dramáticos, contra as suas insinuações.     
A propósito, os números e estatísticas que vem sendo apresentados pela SCC, para ser gentil, são, no mínimo, cada vez mais estapafúrdios e distantes da realidade. Além de tudo que já lemos e ouvimos, produzidos pela SCC, este relato da sua participação na Série 7º Enecult, endereçado às nossas Listas de Ponteiros(ras), lido com um pouquinho de atenção, materializa as gritantes incongruências aritméticas, percentuais e etc, que demonstram claramente a falta de intimidade da SCC e seus gestores, com o trato dos números.
Minha cara Marta, salvo o fato de que mais uma vez tenha havido um ataque gratuito e mal intencionado contra você e o seu trabalho à frente da SCC, no texto relativo a sua participação na Série 7º Enecult (você já se disse vítima da falta de ética dos seus interlocutores em outras 3 oportunidades) ou que você estivesse numa fase hormonal comprometida (sou heterossexual, casado com a mesma mulher há 35 anos e tenho duas filhas, sei bem do que estou falando sobre hormônios e ovulações), vamos ter que debater muito para que você consiga defender algumas outras questões deste seu “infeliz” pronunciamento – a meu juízo, obviamente.
Permita-me destacar dois trechos deste pronunciamento, em relação aos Editais do Programa Cultura Viva (o texto, na íntegra, tal qual foi divulgado, segue abaixo, ao final desta mensagem):
“... recebem altos montantes do Estado...”
“Vemos Pontos de Cultura trabalhando com o planejamento de 3 anos e R$180 mil. Temos pontos do interior da Amazônia brasileira que não conseguem gerar uma contrapartida desse valor. Em outro viés, o montante de R$ 1, 3 milhão, repassado a Estados como Roraima, equivale a um terço(?!) da verba de edital do Ministério...”.
Esta sua declaração aconteceu 2 dias após os jornais noticiarem que a FUNARTE (do mesmo Ministério que você representa) havia contratado – sem edital ou licitação – por mais de R$ 1.300.000,00, cinco atrações artísticas consagradas da indústria cultural, brasileira e internacional, para festejar a reinauguração do Teatro Dulcina.
Mesmo sabendo que os números não tem sido o ponto alto da sua gestão gostaria de te convidar a fazer um exercício bem simples, do ponto de vista matemático, ainda que complicadíssimo do ponto de vista das políticas públicas:
R$ 1.300.000,00 (valor pago a vista pela FUNARTE para promover(?!) atrações), divididos por R$ 180.000,00 (valor repassados em parcelas ao longo de 3 anos aos pontos de Cultura) dá, em número redondo, 7.
Ou seja, o que a FUNARTE está gastando de uma só vez, sem Edital nem licitação, para “dar espetáculos”, que somados não chegam a um total de 30 dias de trabalho dos agraciados,  corresponde ao esforço de 7 entidades, concorrendo com uma infinidade de outros inscritos no Edital, para ganharem, ao longo de 3 anos, o mesmo valor por um total de tempo trabalhado, que, somados, chegam a um total de 7.665 dias (365 dias no anox3 anosx7 entidades).
As perguntas neste caso são óbvias: as apresentações desses espetáculos geram mais contrapartida do que os Pontos de Cultura do interior do Amazonas, como você cobrou? Se é um despropósito, como você pontua, gastar no Estado de Roraima o equivalente “a um terço da verba de edital do Ministério” (outro dos números estapafúrdios), o que dizer da despesa da FUNARTE com essas contratações divulgadas? (aliás, Marta, estávamos juntos no Capanema no dia deste anúncio da FUNARTE, que você aplaudiu na ocasião). Estes R$ 1.300.000,00 gasto pela FUNARTE (do seu Ministério) para uns poucos “espetáculos comerciais” seria “alto montante”, como você considera os recursos para os editais do Cultura Viva?
Marta, eu até me arrisco a adivinhar o quanto você considera esse tipo de perguntas prosaico, boboca e sem conteúdo intelectual. Por isso eu insisto que vai longe a diferença entre as qualidades necessárias a uma pensadora e a os atributos indispensáveis a um executiva.
Perguntas que, admito, não têm a mesma elegância das suas, no mesmo depoimento, que de tão elegantes, você mesma as responde: “O que é o Cultura Viva, não sob o ponto de vista dos grandes conceitos de autonomia, empoderamento e participação, mas a partir da ideia de gestão pública? Como o projeto avança em termos de política pública? O mar de pontos espalhados pelo Brasil representa uma oportunidade de desenvolvimento de políticas mais amplas. Precisamos articular essa rede para que seja fomentadora do processo de macropolítica do MinC”.
Tirando a recorrente competição proposta nos seus discursos entre o conceito original do Programa e a sua “gestão”, seja lá o que você entenda por gestão, talvez pelas minhas limitações intelectuais, eu não consiga alcançar, de forma prática e concreta, onde aparecem as soluções para os problemas que nós (ponteiros(ras)) vimos enfrentando depois de meio ano da atual gestão, nesse “discurso sofisticado”.
O que ouço recorrentemente são perguntas e mais perguntas vindas da atual gestão da SCC. Só nesta sua participação na Série 7º Enecult, foram 6 pontos de interrogação.
Ou, então, quando não são perguntas, o que temos são “propostas” abstratas, por não apontar como atingi-las: “é preciso repensar os modelos de interlocução entre sociedade civil e Estado e legislar sobre as questões de política”, ou, ainda “o Programa ocupa um determinado lugar fundamental e só precisa ser aprofundando e consolidado, a partir da superação de alguns problemas que já tangenciamos”.
Francamente, Marta, agora quem pergunta sou eu: quantos “meios anos”, mais, teremos que esperar para que essas especulações teóricas sobre os conceitos do Programa se transformem em ações concretas em favor do Cultura Viva?
Mas, pelo amor de Deus, Marta Porto, não me venha cobrar “a paciência que tivemos durante anos com a gestão anterior”. Há uma grande diferença entre as duas gestões, que desqualifica este tipo de cobrança: se na gestão anterior tínhamos a certeza de que estávamos pagando um alto preço para a construção de um Programa, que é apontado por todos e todas como o maior legado do Governo Lula (ainda que por alguns e algumas apenas da boca para fora), na atual temos a sensação, cada vez mais presente, da intenção de desconstrução do Programa.
Por tudo isso, Marta, nosso debate está longe de acabar. E, basta rever, no Youtube, a gravação do seu primeiro compromisso oficial com a Ponteirada, aqui no RJ, no Capanema, que você vai poder reavivar sua memória e ver que tudo que eu tive a oportunidade de te falar pessoalmente, naquela oportunidade, em fevereiro, está se confirmando.
Portanto, recomendo que você considere minhas ponderações e não deixe de entregar seu dossiê, com as denúncias contra o MINC da gestão do Presidente Lula, ao Ministério Público, antes de cumprir sua ameaça de entregá-lo ao Congresso, para uma eventual CPI do MINC, para não correr o risco de ser condenada por prevaricação.
Outro conselho deste seu admirador é contratar algum assessor mais qualificado para lidar com números, porque, aparentemente o que chegou a esses números de “25 entidades que praticamente concentram todos os recursos de prêmios e editais do Programa” é, no mínino muito distraído.

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