Antes
de chegarem ao poder na Alemanha, os nacional-socialistas formaram
milícias para fazer “justiça” com as próprias mãos em suas vizinhanças.
Primeiro bateram nos bandidos, e as pessoas “de bem” aplaudiram. Na
sequência bateram nos homossexuais. Ninguém reclamou. Depois foram os
ciganos, os imigrantes, os comunistas, num processo crescente de
violência que culminou com o extermínio de seis milhões de judeus por
meio da máquina de extermínio étnico mantida pelo Estado nazista. Sem
falar em outras dezenas de milhões de mortes causadas pelo conflito.
Além das cinzas das cidades e países arrasados, restou a lição de que
um pequeno mal, quando não detido a tempo, pode se transformar numa
grande tragédia. Naquele momento de radicalismo, pequenos grupos de
justiceiros foram capazes de desencadear um processo que levou a uma
carnificina sem precedentes na história da humanidade.
Execuções em praça pública, linchamentos e patrulhas de “justiceiros”
são práticas incompatíveis com o Estado democrático de direito que, a
duras penas, conseguimos instituir em nosso país. É absolutamente
lamentável ouvir e ler a defesa que algumas pessoas vêm fazendo deste
tipo de ação extremista, fascista, cada vez mais frequente no Brasil.
Gente que se considera “de bem”, e que aplaude sem constrangimento a
violência contra assaltantes, negros, mendigos, gays e outros
classificados como “gentalha” ou “lixo humano”.
Houve até âncora de telejornal e articulista de revista que se valeu
da chancela da liberdade de imprensa para fazer apologia e incitação à
violência.
Obviamente, não advogamos em favor dos bandidos. Quem rouba, assalta,
trafica, sequestra, estupra ou mata merece a cadeia e todo o rigor da
lei. Nada menos, nada mais. Não temos, em nosso código penal, penas de
morte, tortura, linchamento ou outros castigos medievais. Quem
transgredir as leis deverá ser preso pela polícia e julgado pela
Justiça, com direito à ampla defesa e respeito à integridade. Caso venha
a ser condenado, que cumpra a pena em condições que possibilitem sua
ressocialização.
Essa escalada de violência à margem da lei precisa ser combatida com
determinação pela sociedade e pelo Estado, em todas as suas esferas.
Continuar por esse caminho é seguir rumo à barbárie. Não podemos viver
num país em que as pessoas acreditam na vingança. Olho por olho e o
mundo acabará cego, disse Mahatma Gandhi, mais atual do que nunca.
Infelizmente, com as policias e os tribunais que temos, prevalece no
senso comum um sentimento de impunidade que acaba se voltando, com maior
intensidade, para aqueles que são inimputáveis: os jovens infratores,
negros em sua maioria. É aí que a ação de “justiceiros” e milicianos
suscita um debate mais profundo e igualmente urgente para a consolidação
da democracia e dos direitos sociais e individuais no Brasil. O Poder
Público tem a obrigação de se habilitar para oferecer uma política de
assistência social e enfrentamento à violência na infância e
adolescência que, de fato, faça frente ao tamanho do problema.
A Declaração Universal dos Direitos da Criança não dá margem a
interpretações dúbias. Toda criança tem direito à igualdade, sem
distinção de raça, religião ou nacionalidade. Toda criança tem direito à
especial proteção para o seu desenvolvimento físico, mental e social.
Toda criança tem direito à moradia, à educação e à assistência médica
adequada. Tem o direito de ser protegida contra o abandono e à
exploração. E, acima, de tudo, toda criança tem direito ao amor e à
compreensão por parte dos pais e da sociedade. E quando a criança não
tem tudo isso garantido pela família, é ao Estado que cabe a tarefa de
assegurar os seus direitos, permitindo que cresça num ambiente de
solidariedade, compreensão e justiça.
Atualmente, no entanto, nossos abrigos e instituições de
“ressocialização” de menores são verdadeiras fábricas de marginais. O
garoto entra porque praticou um pequeno furto e sai graduado em várias
especialidades de crimes. Não dá para continuar assim. Muita coisa
precisa ser revista. O primeiro passo é interromper a escalada de
manifestações irracionais de intolerância e violência que hoje assombram
o país. Somos todos responsáveis pelo futuro do Brasil.
Deputado Edson Santos (PT/RJ)